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| Lucas Alexandre Freitas Pinheiro, 7 anos, que é autista e passou por transplante de medula óssea. |
Duas crianças autistas que tinham
leucemia e passaram por um transplante de medula óssea para tratamento do
câncer reduziram consideravelmente os sintomas do autismo entre um ano e 20
meses após o transplante, inclusive mudando a pontuação na escala oficial de
diagnóstico do transtorno. Embora os casos ainda sejam considerados pontuais,
eles seguem uma linha de pesquisas que apontam que o autismo pode ter um
caráter autoimune e, portanto, poderia ser tratado por meio do transplante
celular.
O autismo é uma das condições clínicas
que mais desafiam médicos e profissionais da saúde de todo o mundo. Os dados mais
recentes apontam que a doença afeta um a cada 68 nascimentos, sendo mais
prevalente em meninos do que em meninas. Até hoje, ninguém sabe dizer
exatamente por que e como o transtorno acontece – a única coisa que se sabe é
que se trata de uma desordem multifatorial, que normalmente tem uma herança
genética. Não existe nenhum exame que aponte com certeza que o paciente tem
autismo, por isso, o diagnóstico é sempre clínico, com base nas alterações
comportamentais.
Os pacientes que apresentaram melhora
foram transplantados no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, pela equipe do
onco-hematologista Vanderson Rocha, que prepara um artigo científico sobre o
achado. Rocha também é diretor-científico da Rede Europeia de Banco de Sangue
de Cordão (Eurocord) e, diante desses resultados, está preparando um
levantamento em toda a Europa para saber se há outros casos de crianças
autistas transplantadas e quais foram os resultados.
Foram dois pacientes transplantados em
2015: Lucas Alexandre Freitas Pinheiro, que hoje tem 7 anos, e Sofia Toniato
Venturini, que tem 11. Nos dois casos, as crianças tinham indicação para o
transplante por causa da leucemia e receberam a medula de um doador não
aparentado. Antes do procedimento, Sofia somava 39 pontos na escala de autismo
(indicando sintomas severos) e depois caiu para 30 (sintomas moderados). Já
Lucas somava 30 pontos antes do transplante (sintomas moderados) e caiu para 24
depois (sintomas mínimos).
O próprio médico reconhece que ainda
precisam ser feitos outros estudos para comprovação de resultados, mas afirma
que todos os esforços para reduzir os sintomas do autismo são válidos. “É claro
que não vou sair fazendo transplante de medula em todos os autistas. Mas esse
resultado abre um leque de hipóteses que precisam ser mais bem investigadas,
entre elas a de que o autismo pode ter um caráter imunológico e teria algum
benefício com o transplante de medula óssea”, disse Rocha.
Melhora
A dentista Danusa Toniato, de 49 anos,
mãe de Sofia, comemora a melhora da filha, que foi diagnosticada com autismo
aos 4 anos e com leucemia aos 6 anos. Segundo Danusa, desde o diagnóstico de
autismo, a menina fez vários tratamentos, incluindo psicoterapia e equoterapia,
mas ainda não foi alfabetizada, pois não consegue se concentrar nas aulas e não
se interessa pelo conteúdo. Após o transplante, Danusa diz que o comportamento
da filha mudou completamente.
“Percebi uma melhora quase que imediata. Assim que recebemos
alta, Sofia passou a interagir mais com os adultos, ficou menos arredia,
começou a abraçar as pessoas, está indo para a escola. Todo mundo percebeu. O
transplante trouxe um benefício que eu jamais imaginava”, afirmou Danusa, que
faz uma ressalva: “Apesar disso, a neurologista que a acompanha diz que os
avanços são pelo próprio amadurecimento da Sofia.”
A família de Lucas, que foi diagnosticado com autismo aos 4
anos e meio, também tem as mesmas impressões. Segundo o servidor público
Ricardo Alexandre Pinheiro de Oliveira, de 42 anos e pai do menino, as melhoras
dos sintomas de Lucas após o transplante foram atestadas pela psicóloga que o
acompanha também desde o diagnóstico.
De acordo com Ricardo, antes do transplante, Lucas tinha
muita dificuldade de estabelecer relações sociais, tinha reações extremadas,
crises de nervosismo e não tolerava contato com estranhos nem com crianças, com
brincadeiras ou jogos infantis. “Após o transplante, ele ficou mais carinhoso,
menos agressivo, passou a se relacionar com outras crianças, consegue até
abraçar colegas da escola e cumprimentar desconhecidos”, afirmou o pai.
Ricardo também ressalta, no entanto, que nem ele nem a
psicóloga que acompanha Lucas podem afirmar que a melhora seja exclusivamente
por causa do transplante. “Sou pai de uma criança autista e não quero criar
falsas expectativas para outros pais. Só sei que Lucas apresentou mudanças,
pequenas coisas que se tornam grandes para quem vive o problema”, afirmou.
Cautela
A neuropediatra Rejane Macedo Campos, que trabalha com
crianças autistas no Hospital Albert Einstein, diz que a teoria de que o
autismo possa ser uma desorganização do sistema autoimune – e por isso seria
tratado com terapia celular – é uma linha de pesquisa que tem sido discutida no
mundo, mas ainda há poucos resultados a respeito, todos de achados isolados e
experimentais.
A literatura mundial tem poucos relatos sobre casos de
transplante em pacientes autistas. Um estudo recente realizado na Universidade
de Duke (EUA) avaliou a segurança do transplante de sangue de cordão umbilical
em 25 pacientes autistas que tinham sangue do cordão umbilical congelado.
Os pacientes foram avaliados antes do procedimento, seis meses
e 12 meses depois. E a conclusão é que o transplante das células do cordão
umbilical foi bem tolerado e que houve melhoras significativas nos aspectos
comportamentais das crianças, também com redução na escala de classificação
clínica do autismo. O próximo passo da pesquisa será fazer um estudo
controlado.
“Esse é um assunto que tem aparecido aos poucos. A tese é de
que haveria um processo celular inflamatório, que levaria à manifestação da
doença. Como o autismo não tem uma causa específica, essa teoria tem ganhado
força e muitos pesquisadores estão em busca de uma resposta”, afirmou Rejane.
De acordo com ela, o resultado encontrado após transplante é
importante, mas requer mais estudos. “Tudo que se pesquisa é válido, mas falar
de transplante para autismo ainda é muito precoce. Como foram apenas dois
pacientes, o resultado não pode ser generalizado”, avalia.
Marisa Furia Silva, vice-presidente da Associação Brasileira
de Autismo (ABRA), regional Sudeste, também reforça a necessidade de mais
estudos para que esses resultados possam ser comemorados. “Como o autismo não
tem cura, muitos pais saem fazendo qualquer coisa na expectativa de curar seus
filhos. E não pode ser assim. A medicina está evoluindo muito, mas ainda não
encontrou a causa do autismo nem um medicamento que cure. Nossa orientação é
que, antes de fazer qualquer procedimento invasivo no seu filho, espere as
comprovações científicas”, afirmou.
Por Fernanda Bassette/Veja
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Saúde



