Foto: Delegacia de Água Boa - Reprodução.
Apontada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro como
participante do planejamento das mortes dos pais e do irmão de seu namorado
virtual, um garoto de 14 anos — crime executado a tiros pelo próprio
adolescente, no dia 21 de junho, em Itaperuna, no Noroeste Fluminense —, uma
menina de 15 anos foi ouvida no último dia 29, na Delegacia de Polícia de Água
Boa, a mais de 700 quilômetros de distância de Cuiabá, capital do Estado de
Mato Grosso. Filha de uma família de classe média e considerada uma ótima
aluna, ela prestou depoimento abraçada a um ursinho de pelúcia, que pegou numa
sala especial da unidade.
Descrita por quem a conhece como uma menina de perfil tímido
e introvertido, a caçula de três irmãs foi ouvida na presença da mãe. Esta
última se surpreendeu ao descobrir pela polícia o que havia acontecido.
— Foi preciso mostrar a parte das conversas (com o namorado
com quem ela se relacionava virtualmente e que estavam em um notebook) para que
ela acreditasse no que a filha havia feito. Inclusive, ela repetia a todo
momento que a menina era uma ótima filha — contou um policial da unidade.
Moradora de Água Boa, cidade de 35 mil habitantes, a menina
não negou o crime e nem chorou durante o depoimento. Com um comportamento frio,
ela alegou ter sido coagida pelo namorado, o que, por conta das provas colhidas
até agora, não convenceu a polícia. Nesta quarta-feira, o delegado Carlos
Augusto Guimarães Silva, da 143ª DP (Itaperuna), responsável pela investigação
do triplo assassinato, deu uma entrevista sobre o caso. Após agradecer ao
delegado Matheus Augusto, que ouviu a menina em Água Boa, ele contou que a
polícia de Mato Grosso apreendeu o notebook por onde o casal se comunicava.
O equipamento, que teria sido usado durante o planejamento e
a execução do crime, será enviado para o Rio de Janeiro para passar por uma
análise. A polícia vai verificar, entre outras coisas, se a jovem teria usado,
em um segundo possível perfil, conversas do mesmo tipo com outro adolescente ou
com outras pessoas.
Um jogo virtual de terror psicológico — com enredo sobre
irmãos que mantinham uma relação incestuosa e matavam os próprios pais — também
está no centro das investigações sobre o assassinato da família. Segundo a
polícia, o conteúdo pode ter influenciado diretamente o adolescente, que
confessou ter matado o pai, a mãe e o irmão de apenas 3 anos. Ele também
afirmou que teria planejado o crime com sua namorada virtual.
Os dois adolescentes foram apreendidos por ordem da Vara
da Infância de Itaperuna.
— Eles se identificavam com esse jogo, mas não jogavam.
Pesquisei e vi que esse jogo chegou a ser banido na Austrália e voltou
reclassificado como 18 mais. Deve ser um jogo bem diabólico, sobre um casal de
irmãos que praticavam incesto e matavam os pais, no qual eles se espelhavam —
disse o delegado Carlos Augusto Guimarães da Silva, da 143ªDP (Itaperuna), que
investiga o crime.
O adolescente foi apreendido no último dia 25, logo após os
corpos dos pais e do irmão serem encontrados. Já a menina, sua namorada
virtual, foi localizada e apreendida nesta segunda-feira, em Mato Grosso do
Sul. Apesar dela negar ter influenciado o jovem a cometer os assassinatos,
trocas de mensagens entre os dois, segundo a polícia, indicam a participação
ativa da garota nas mortes.
— Infelizmente verificamos, pelo teor das conversas, que
realmente tem, sim, participação efetiva dela. Tantos em momento anterior, como
durante as execuções e no momento posterior. Isso nos possibilitou colocá-la na
cena do crime. Era realmente foi partícipe. Ela o induziu e o instigou a todo o
momento — disse o delegado da 143ªDP.
A análise das conversas, de acordo com o delegado Carlos
Augusto, mostra o que ele chamou de "barbaridade":
— Conseguimos mostrar a premeditação, os atos preparatórios, o planejamento em si e os atos executórios.
O delegado destacou ainda que o casal trocou mensagens sobre
como agir para não ser descoberto. Os diálogos também mencionavam o
distanciamento entre os dois, e, em um deles, a garota pressiona o adolescente
a visitá-la, dizendo que ele deveria “ser homem”. Segundo o policial, a
conversa revela uma tentativa de chantagem emocional.
Segundo o delegado, os adolescentes se conheceram há cerca
de seis anos e mantinham contato pelas redes sociais — a menina, inclusive,
criou um perfil específico para se comunicar com o garoto. No último ano, o
relacionamento se intensificou, mas a distância física impedia que se
encontrassem pessoalmente. Em mensagens trocadas entre eles, os dois chegaram a
discutir como cometeriam os assassinatos, avaliando o uso de arma de fogo ou
facas e definindo a possível ordem das mortes.
A polícia descobriu uma conversa que falava sobre a arma do
pai do adolescente estar embaixo do travesseiro do garoto. As vítimas, segundo
o laudo da necrópsia, foram atingidas por tiros na cabeça. Durante o crime, de
acordo com o delegado Carlos Augusto, a garota reclamou que o namorado estava
on-line mas não respondia suas mensagens — a menina queria detalhes do que
estava acontecendo.
— Isso mostra o sadismo da adolescente — afirmou o policial.
Os pais estavam em sono profundo quando foram baleados —
segundo o garoto, eles haviam ingerido, por conta própria, um remédio para
dormir. Na hora de disparar, o adolescente envolveu a arma com uma fronha para
não deixar marcas de suas digitais. O crime aconteceu num dos quartos onde a
família morava.
Em seguida, disse o delegado, o garoto compartilhou uma foto
da família morta na cama, o que sugere a frieza com que agiu. O caso chegou à
polícia na terça-feira (24), quando a avó paterna do adolescente foi com ele
até a delegacia para registrar o desaparecimento da família. Aos agentes, ela
contou que tentava contato desde sábado, mas ninguém atendia. Na ocasião, o
garoto disse à polícia que o irmão tinha se engasgado com um caco de vidro, e
que os pais teriam saído de casa às pressas para socorrê-lo. Eles pegaram um
carro de aplicativo e não mais voltaram para casa. A partir dessas informações,
uma equipe da 143ª DP percorreu os hospitais da cidade, mas não encontrou
qualquer registro em nome da família.
Com isso, o delegado solicitou perícia na casa, em
Itaperuna, no interior do Rio. Ao chegar no local, os policiais encontraram
manchas de sangue no colchão do casal, além de roupas ensanguentadas e com
focos de queimado. Um forte odor de putrefação levou os agentes até uma
cisterna no exterior da propriedade, onde localizaram os corpos.
— A quantidade de sangue era incompatível com o acidente
doméstico que ele narrou para a gente. Depois que localizamos o corpo, ele
confessou o crime — disse o delegado.
Os pais estavam em sono profundo quando foram baleados —
segundo o garoto, eles haviam ingerido, por conta própria, um remédio para
dormir. Na hora de disparar, o adolescente envolveu a arma com uma fronha para
não deixar marcas de suas digitais.
A arma usada pelo adolescente foi apreendida na casa da avó. Ela contou à polícia que encontrou o objeto na casa do neto e a recolheu com medo de que ele pudesse se machucar. A polícia afirma que ela não participou e nem sabia do crime.
— Ele foi muito espontâneo ao contar como cometeu os crimes.
É um menino frio, sem remorso. Perguntamos se ele se arrependia, e ele disse
que não, que faria tudo de novo. As respostas que ele nos deu foram rápidas e o
tempo todo ele se autoafirmava como homem. Tinha um "que" de
psicopatia. Ele pode ter premeditado tudo ou é um menino muito inteligente —
concluiu o delegado.
Os dois adolescentes foram apreendidos por conta de mandados
expedidos pela Vara de Infância de Itaperuna.
Fonte: O Globo
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